Monday, 5 February 2007

CARTA ABERTA AO SECRETÁRIO DE ESTADO DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS

Exmo. Senhor,
Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas,

É meu entendimento que a democracia se fortalece com debate e que as Comunidades beneficiam da clarificação das posições dos seus Conselheiros.

Neste contexto e independentemente da posição do Conselho das Comunidades Portuguesas, que subscrevo inteira e inequivocamente, serve esta missiva para dar nota pública das preocupações que a proposta de reestruturação consular recentemente anunciada por V. Exa. e a particular situação dos serviços consulares no Reino Unido suscitam na comunidade portuguesa.

No que diz respeito à proposta de reforma em causa, o Governo tem anunciado a extinção de 17 Consulados e 1 Escritório Consular, a transformação de 6 Consulados em Vice-Consulados e de outro em Escritório Consular.

Queira aceitar, Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, a minha franqueza: esta proposta de reestruturação consular, apesar da avaliação positiva que algumas medidas merecem, não é a reestruturação de que carecem os serviços consulares.

Colocando a necessária redução da despesa pública como epicentro da sua orientação, esta proposta de reestruturação, mais do que disciplinar a despesa, configura um amplo programa de desinvestimento. Se é necessário racionalizar a despesa, também é necessário qualificar e aumentar a disponibilidade da rede de serviços consulares. No meu entendimento, é boa política a que consegue estes dois objectivos.

O Governo prevê, com estas alterações na rede consular, reduzir a despesa em mais de 3,6 milhões de euros por ano. Contudo, como a este propósito afirma o Conselho das Comunidades Portuguesas, “ (...) encerram-se postos consulares em regiões com grande implantação empresarial portuguesa, não se propõe nova gestão consular com informatização centralizada e não se abrem postos nas regiões para onde os Portugueses continuam a emigrar. (...) ”

Na qualidade de Conselheiro das Comunidades Portuguesas recordo o contributo fornecido pelos emigrantes à economia nacional. Segundo dados oficiais (Banco de Portugal), entre Janeiro e Setembro de 2006 as remessas enviadas pelos emigrantes cifraram-se em mais de 1815 milhões de euros. Na questão do equilíbrio das contas externas, as remessas dos emigrantes continuam a ter um peso equiparável às transferências da CE.

Por outro lado, é necessário não o esquecer, os cofres do Estado têm recebido anualmente, de emolumentos consulares, mais de 12 milhões de euros. Como Conselheiro, não posso deixar de reclamar que estas verbas sejam reinvestidas onde são geradas. Não posso deixar de questionar a gestão do Fundo para as Relações Internacionais (FRI) e a bondade das suas transferências para associações com fins estritamente privados.

Não posso deixar de recordar que, desde a tomada de posse deste Governo em 12-03-2005, os emigrantes portugueses pagaram, pelo menos, 844.000 euros de complementos de reforma dos diplomatas. Com dinheiro do FRI proveniente das receitas dos emolumentos consulares e posteriormente destinados à MUDIP – Associação Mutualista Diplomática Portuguesa, uma entidade privada cujo objectivo é justamente complementar a reforma e subsidiar as despesas de saúde dos diplomatas do MNE.

Saudamos, a anunciada medida de criação do conceito de “Consulado Virtual”, mas não sem recordar que a acessibilidade destas tecnologias, dado o custo e a literacia que pressupõem, pode acrescentar exclusão à exclusão.

Vimos, com grande preocupação, o anúncio da criação de onze consulados honorários. Esperamos que estas estruturas não signifiquem menos disponibilidade de serviços, o aumento do seu preço e desresponsabilização da Administração do Estado.

Discordamos, também, do fim anunciado das isenções fiscais associadas às contas poupança-emigrante-habitação e do, igualmente anunciado, fim do porte-pago aos jornais portugueses que têm por destinatários os emigrantes portugueses.

Discordamos claramente da anunciada intenção governamental de recusar rever o papel e o financiamento do Conselho das Comunidades Portuguesas. Este organismo serve as Comunidades e não deve ser impedido de procurar aumentar a sua representatividade e eficácia.

Vimos com enorme consternação que pouca, ou nenhuma, atenção tem sido oferecida à questão da formação do pessoal consular. A formação é, simultaneamente, um direito dos trabalhadores e dos cidadãos a quem, aqueles, prestam serviços.

Assistimos com enorme tristeza à baixíssima taxa de recenseamento eleitoral. Também, acerca deste assunto, a propósito da Reestruturação da Rede Consular, nada ouvimos. Não posso deixar de associar este desinteresse ao facto dos 5 milhões de portugueses no estrangeiro apenas elegerem 4 deputados nas eleições parlamentares.

No que ao Reino Unido especificamente diz respeito, apesar da inexistência de recenseamentos e estudos sócio demográficos que permitam, com rigor, caracterizar o fenómeno, sabe-se que este pais constitui, hoje em dia, o principal destino do fluxo migratório português. Acerca deste assunto, a 27 de Outubro de 2005, o anterior Ministro dos Negócios Estrangeiros declarava ao jornal Público residirem no Reino Unido mais de 500 mil portugueses.

No entanto, como é público e notório, a capacidade dos serviços consulares não acompanhou as necessidades de uma Comunidade continuamente crescente.

Para obter serviços indispensáveis como, entre outros, a emissão de Bilhete de Identidade, ou de passaporte, registar filhos ou o casamento, obter uma procuração, um visto ou uma autorização de viagem para um filho menor, ou, ainda, solicitar a nacionalidade portuguesa em virtude de casamento com cidadão português, esta numerosa Comunidade, tem acedido com muitíssima, inaceitável, dificuldade aos serviços consulares. Tem-se revelado tremendamente difícil, quando não impossível, contactar os consulados portugueses de Londres e de Manchester.

Apesar desta insustentável situação, relativamente ao Reino Unido, nada é dito na proposta de reestruturação consular que V. Exa. colocou à discussão. Assim, subscrevo inteiramente, mais uma vez, a posição do Conselho das Comunidades Portuguesas: propomos a abertura de Escritórios Consulares em Norfolk e nas zonas Norte e Sul de Londres.

Permita-me contudo, Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, que, para além do redimensionamento da rede consular, enuncie algumas das medidas que, para o Reino Unido, avalio como necessárias e urgentes.

1. Recenseamento e estudo sócio demográfico da população portuguesa residente no Reino Unido. Apesar da estimativa acima mencionada, nenhuma informação tecnicamente rigorosa se encontra disponível. As autoridades portuguesas, acerca desta realidade, fornecem sistematicamente estimativas díspares. O recenseamento, e estudo, desta população é indispensável ao planeamento de Serviços Consulares adequados à sua dimensão e natureza.

2. Incremento da capacidade e qualidade dos serviços consulares no Reino Unido. A insuficiência de recursos técnicos e humanos tem sido flagrante. Ainda assim, nos últimos anos, embora lentamente, a capacidade dos serviços consulares aos portugueses tem aumentado. Em 2004, o Consulado Geral de Portugal em Londres prestou um pouco mais de 36.000 serviços, em 2005, cerca de 48.000 (aumento de 30%) e, em 2006, não obstante toda a pública agitação laboral, cerca de 49.000.

É pois com grande preocupação que assistimos à, recentemente efectivada, redução do número de funcionários naquele consulado. Assistimos, incrédulos, à regressão de uma tendência positiva. Definitivamente, diminuir a forca de trabalho em cerca de 1/3 não nos parece o caminho certo.

A Comunidade espera que, em 2007, os serviços consulares apresentem um nível de actividade superior ao, insuficiente, mas já conseguido em 2006.

Para este desiderato deve concorrer, também, o Consulado Geral de Portugal em Manchester. Dotar um Consulado de 4 trabalhadores e um Cônsul Geral e responsabilizá-lo pela cobertura de mais de 2/3 do território da Grã Bretanha não pode gerar resultados aceitáveis. Parece-me, obviamente, necessário aumentar-lhe o quadro de pessoal.

Não é mais possível continuar a esperar 6 meses por um Bilhete de Identidade, 3 ou 4 meses pelo registo de um filho, ou ficar anos sem resposta a um pedido de nacionalidade por casamento. É imperioso que os prazos de satisfação dos pedidos de atendimento encurtem significativamente.

Dotar os serviços consulares de capacidade adequada, não sendo condição suficiente, é condição necessária à melhoria da qualidade de atendimento que se encontra garantida pelo art. 9 do Regulamento Consular (atendimento personalizado, informação ou esclarecimento correcto e completo, rápido encaminhamento e resolução dos pedidos apresentados, isenção e imparcialidade no tratamento, urbanidade e cortesia no trato).

Contudo, o tipo de atendimento de qualidade que reclamamos só pode ser oferecido por funcionários consulares motivados. Penso ser imperioso, dotar os serviços consulares de um quadro permanente de pessoal, com a formação suficiente para desempenhar capazmente as suas funções, justamente remunerado e beneficiando inteiramente das regalias sociais legalmente em vigor.

Esperamos, Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, que, reunidas as condições acima mencionadas, à estrutura consular portuguesa no Reino Unido, seja possível a disponibilização e assumpção de novos serviços e prioridades.

Por exemplo, serviços de tradução linguística. A Comunidade portuguesa entende com grande dificuldade a sua inexistência. Esperamos que seja possível beneficiar a curto prazo desta valência quotidianamente solicitada aos serviços consulares.

Por outro lado, e simultaneamente, seria importante constituir, nos dois serviços consulares portugueses actualmente existentes no Reino Unido, a Comissão de Acção Social e Cultural a que alude o art. 10 do Regulamento Consular.

Como sabe o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, de acordo com o art. 20 do Regulamento Consular, uma Comissão de Acção Social e Cultural tem como funções propor e suscitar programas de apoio social aos portugueses, designadamente em articulação com instituições da sociedade civil; providenciar acerca da protecção e defesa dos idosos, indigentes, desempregados e outros desfavorecidos; incentivar acções de formação profissional; fomentar processos de defesa dos direitos laborais dos trabalhadores portugueses; promover o desenvolvimento do ensino da língua e da cultura portuguesas; propor medidas tendentes à melhoria da situação e sucesso escolar dos alunos portugueses nos vários graus de ensino; criar e desenvolver contactos e ligações entre as associações locais e entre estas e as associações existentes em território português, de modo a contribuir para uma maior ligação das comunidades nacionais.

Na minha perspectiva, a enorme e heterogénea Comunidade portuguesa no Reino Unido carece, inequivocamente, de um organismo com as funções acima enunciadas.

Proponho, também, em ambos os serviços consulares portugueses no Reino Unido, a criação de um Gabinete do Investidor que assuma as funções económicas referidas no art. 65 do Regulamento Consular, nomeadamente, dar a conhecer os respectivos mercados aos agentes interessados, fomentar o intercâmbio empresarial, informar sobre oportunidades de investimento e apoiar os agentes económicos portugueses e as suas associações.

Finalmente, no que concerne à assumpção de prioridades, não posso deixar de referir o Recenseamento Eleitoral. Não é mais possível, numa comunidade com a dimensão da Comunidade portuguesa no Reino Unido, que as inscrições eleitorais se reduzam a menos de 1.200. Esta situação diminui a capacidade cidadã dos portugueses no estrangeiro, diminui a qualidade da nossa democracia política e deve ser urgentemente invertida.

3. Defesa da língua e cultura portuguesas. É vital assegurar que nenhum português em idade escolar fica excluído do ensino da Língua; que se concertam esforços das autoridades portuguesas em Lisboa e no Reino Unido no sentido de introduzir, alargadamente, o português como língua estrangeira nos currículos escolares britânicos. Defendemos o reforço da equipa responsável pelo ensino do português, notoriamente reduzida, e defendemos, igualmente, a necessidade de consulta permanente entre esta equipa e os encarregados de educação. Defendemos a criação de duas Escolas Portuguesas, respectivamente em Norfolk e Lambeth (duas zonas de enorme concentração de portugueses), tendo em consideração as melhores práticas de países como a França, a Alemanha ou o Reino Unido.
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Com os restantes Conselheiros das Comunidades Portuguesas, defendo uma política externa assente numa estratégia clara de afirmação e projecção de Portugal no Mundo; uma estratégia que inclua uma política para as Comunidades portuguesas alinhada com o interesse nacional. Defendo uma política não paternalista que respeite o direito dos emigrantes a uma administração pública urbana e eficiente que sustente o seu potencial de criação de valor.

Defendemos o interesse das comunidades portuguesas no exterior sabendo que, segundo o art. 14º da Constituição da República Portuguesa, “Os cidadãos portugueses que se encontrem ou residam no estrangeiro gozam da protecção do Estado para o exercício dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis com a ausência do país.”

Com elevada estimada e consideração,
António Cunha, Conselheiro (Reino Unido) das Comunidades Portuguesas

Londres, 5 de Fevereiro de 2007